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Os desafios da Atenção Básica: uma resenha do Debate no espaço temático dos Cadernos de Saúde Pública

Debate importante e oportuno sobre os desafios da Atenção Básica à Saúde no SUS foi apresentado no espaço temático da Revista Cadernos de Saúde Pública do último mês de agosto.

Arthur Chioro, docente, pesquisador e ex ministro de saúde e Luiz Carlos Cecilio, docente e pesquisador, apresentaram um ensaio onde destacam os avanços do Sistema Único de Saúde e da Atenção Básica em contraponto com o crônico subfinanciamento do SUS, que pode se ver agravado na conjuntura atual com o Novo Regime Fiscal proposto pelo governo Michel Temer. O foco do ensaio são os fatores que podem ter impedido a consolidação da rede de atenção básica, apresentando quatro apontamentos sobre os desafios para a consolidação da atenção básica como principal porta de entrada para um sistema único de saúde universal, público e de qualidade. As pesquisadoras e docentes Maria Guadalupe Medina e Lígia Giovanella também ressaltam os bons resultados da atenção primaria no país, discutem os desafios expostos e apontam suas divergências.

Apresentamos brevemente os quatro apontamentos e as discussões desenvolvidas pelas autoras:

Primeiro apontamento atenção básica ou atenção primária em saúde?

Chioro e Cecilio destacam que no Brasil a adoção do termo “atenção básica em saúde” está associado a uma diferenciação ideológica do reducionismo atribuído ao termo de “atenção primária em saúde” usado na literatura internacional e nos documentos de agências internacionais.

Sobre este ponto, Guadalupe Medina destaca que a adoção de um ou outro termo não resolve as disputas conceituais e políticas sobre os diferentes projetos de atenção primária, vigentes tanto no Brasil quanto no âmbito internacional. O termo “atenção básica” não dialoga com a literatura internacional e também não representa as diferentes concepções e modelos divergentes de atenção primária implementados no país.

Ligia Giovanella aponta que o debate conceitual é ainda relevante porque a atenção primária é preconizada como estratégia para a meta de cobertura universal de saúde na Agenda 2030 de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“Saúde e Bem Estar”). Mas, os indicadores propostos pelo Banco Mundial e a OMS para o acompanhamento dessa meta sugerem uma cesta mínima de serviços. Encontram-se em disputa dois projetos com enfoques distintos de atenção primária. Por um lado, sistemas públicos universais de saúde como o SUS de acesso universal com equidade e conforme a necessidade, e por outro lado, seguros focalizados, diferenciados segundo capacidade de pago, com uma cesta de cuidados básicos. Atenção básica na concepção de atenção primária à saúde integral contra abordagens seletivas de atenção primária.

Segundo apontamento: A disjunção ou o descompasso entre a formulação da política e sua implementação real, ou quando a centralização e complexidade da formulação da política tornam-se um problema

Chioro e Cecilio argumentam que a complexificação da formulação Política Nacional de Atenção Básica tropeça com dois complicadores que são: não considerar a diversidade dos municípios brasileiros e a lógica de normalização, padronização e homogeneização com a qual opera o Ministério de Saúde.

Giovanella e Medina sinalizam que a indução desde o nível central do modelo da Estratégia de Saúde da Família (ESF) tem definido a expansão da atenção básica, as mudanças parciais do modelo assistencial, a melhoria de indicadores de saúde, dentre outros.

Por tanto, segundo Giovanella para favorecer a autonomia dos municípios seria necessário tanto aumentar os repasses financeiros estaduais e federais, segundo critérios municipais e necessidades locais, quanto manter a prioridade da ESF, questão que resulta afetada negativamente pela nova PNAB de 2017 e pelo fim dos blocos de custeio.

Medina também destaca as possibilidades de retrocesso, no momento atual nas conquistas na atenção primária e a necessidade de analisar outros fatores que extrapolam a formulação da PNAB como: a complexidade da articulação da rede, do sistema de saúde com os interesses do setor privado; a força da regulação profissional, especialmente dos médicos que regulam suas práticas no nível micro e também como atores coletivos na formulação e implementação de políticas; e a fragilidade da participação social dos usuários.

Terceiro apontamento: A dificuldade de se romper o isolamento da atenção básica à saúde e superar a sua inserção periférica e isolamento em relação ao sistema de saúde

Chioro, Cecilio, Giovanella e Medina concordam no desafio que representa a construção de redes integradas de serviços de saúde com a APS como coordenadora do cuidado. No entanto, discordam nas estratégias que poderiam ser implementadas para avançar na superação desse entrave. Chioro e Cecilio propõem fortalecer os mecanismos microregulatórios; criar instâncias reguladoras locorregionais onde participariam representantes da atenção básica, de atenção especializada, dos usuários e até do setor privado; e reconhecer os “mapas do cuidado” que os usuários realizam dentro do sistema para aceder aos serviços. Giovanella e Medina apontam que as trajetórias dos usuários não são produto de livres escolhas, se não uma peregrinação causada pela desorganização e falta de acesso aos cuidados especializados. Por tanto, seria necessário instituir fluxos, transparentes, flexíveis, que considerem as necessidades particulares e que garantam o acesso. Desde a perspectiva de Medina isso não seria possível sem uma reconfiguração das relações de poder dentro do sistema com uma mais efetiva participação social.

Quarto apontamento: O desafio de se produzir um novo trabalhador de saúde

As autoras e os autores concordam neste desafio, porém, as estratégias que propõem para avançar nessa questão apresentam diferenças. Chioro e Cecilio destacam a educação permanente, a gestão mais participativa e a participação dos apoiadores. Giovanella e Medina salientam a educação permanente, mas além dessas outras estratégias de qualificação profissional como o Programa Mais Médicos e o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, e mudanças para a valorização dos profissionais da atenção básica, como o estabelecimento de carreira SUS.

Para terminar, Chioro e Cecilio chamam a atenção sobre três ameaças da reformulação da PNAB de 2017: a possibilidade de fragmentação do processo de trabalho e entraves na coordenação e longitudinalidade devidas à flexibilização da carga horária dos profissionais e não obrigatoriedade de ACS nas equipes de atenção básica; fim da obrigatoriedade de ACS para 100% da população; preconização de dois padrões de atenção básica (essenciais e ampliados), proposta que poderia estar alinhada com os projetos de ampliação de clínicas populares e “planos populares” de saúde.

Convidamos à leitura dos ensaios na íntegra no link a continuação:

http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/home/volume/3/fasciculo/290

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

Rede APS

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