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Arquivo Diário 10 de agosto de 2015

Rede entrevista pesquisadora belga Sara Willems

A Rede de Pesquisa em APS convidou a pesquisadora belga Sara Willems a participar do 11º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva na atividade M96-APS Perspectiva Comparada em Países da Europa e América do Sul que foi coordenada pelo professor Luiz Augusto Facchini. Sara apresentou os resultados da pesquisa QUALICOPC (Qualidade e Custos dos Cuidados Primários na Europa) que teve como objetivo analisar e comparar a atenção primária à saúde em 35 países buscando responder a pergunta: Quais configurações de cuidados primários de saúde estão associadas a melhores resultados no desempenho dos sistemas de saúde em qualidade, acesso equidade e eficiência? O estudo desenvolveu diferentes questionários e entrevistou cerca de 7 mil GPs e 65 mil usuários.
Conversamos com Sara sobre sua pesquisa.

Sara Willems é mestre em promoção da saúde (1999) e PhD em ciências médicas (2005) pela Universidade de Ghent, Bélgica. Desde 2005 coordena o grupo de pesquisa “Desigualdades em saúde e na atenção primária” e em 2011 foi indicada como a primeira professora expert em Equidade e Saúde da Universidade de Ghent. Suas pesquisas têm como foco as desigualdades sociais em saúde, no acesso aos serviços no sistema de saúde belga, o papel da atenção primária para lidar com a desigualdade em saúde, e as relações entre capital social e a saúde. Em suas pesquisas emprega principalmente métodos de pesquisa qualitativos. Sara Willems é autora de diversos capítulos de livros, artigos em periódicos e coautora de relatórios de pesquisa para autoridades federais e locais. É professora na Universidade de Ghent; participa da implementação de diversos projetos comunitários de saúde em Ghent e é diretora de um centro médico comunitário em uma área desfavorecida da cidade.

1)Você participa na pesquisa sobre Qualidade e Custos da Atenção Primária na Europa (QUALICOPC) como coordenadora nacional na Bélgica. O estudo QUALICOPC tem como objetivo analisar e comparar o funcionamento da atenção primária em 34 países em termos de qualidade, custos e igualdade? Poderia nos explicar como a pesquisa é desenvolvida e o processo para construir a metodologia?

QUALICOPC é um projeto de pesquisa financiado pela União Europeia que tem como objetivo analisar a qualidade, custo e equidade na atenção primária na Europa. O estudo é feito pela parceria de cinco grupos de pesquisa: o NIVEL, instituto de pesquisa de saúde da Holanda, a Universidade de Ljubljana (Eslovênia), a Hochschule Fulda (Alemanha), a Escola de Estudos Avançados de Sant’ Anna (Itália), a Universidade de Ghent (Bélgica), Instituto Nacional para a Saúde Pública e o Meio Ambiente (RIVM) (Holanda). QUALICOPC começou como um projeto que deu sequência PHAMEU, um estudo anterior que focou na Atenção primária na Europa. PHAMEU objetivava estabelecer um sistema de informação sobre o estado e o desenvolvimento da atenção primária na Europa: Monitoramento da Atenção Primária na Europa. Esse instrumento descreve como a atenção primária está organizada em diferentes países da Europa, e monitora o grau de desenvolvimento da APS. Para construir o Monitoramento, o PHAMEU realizou uma revisão sistemática de literatura sobre atenção primária na Europa. QUALICOPC avança na construção do PHAMEU ao focar na relação entre características da APS e sua performance em relação à qualidade, igualdade e custos.
QUALICOPC coletou informações de 31 países europeus, sendo 26 membros da União Europeia; 5 países europeus que não são membros da União Europeia, (Islândia, Macedônia, Noruega, Suíça e Turquia); e três países não europeus (Austrália, Canadá e Nova Zelândia). Em todos os países participantes, foi selecionada uma amostra de clínicas de atenção primária dos bancos de dados nacionais de médicos de atenção primária. Todas as clínicas participantes foram visitadas por um pesquisador, e, em cada clinica, um médico e dez pacientes foram entrevistados. Ademais, o pesquisador preencheu um check list com observações referentes à clínica de APS visitada. Para coletar as informações, foi utilizado um questionário (um para médicos, dois para pacientes e uma lista de observações). Esses questionários foram desenvolvidos utilizando um rigoroso processo de revisão sistemática da literatura de modo a identificar os instrumentos de medição existentes (exemplo, PCATool), conhecer a qualidade dos instrumentos identificados e painéis de expert para validar os instrumentos selecionados. Todos os questionários foram traduzidos para a língua dos países participantes e algumas outras línguas adicionais (por exemplo, árabe para imigrantes) por meio de um processo de tradução reiterativo (tradução, versão, tradução) e com validação por um expert acerca da adequação dos termos empregados (por exemplo, o significado de uma palavra em inglês pode ser diferente na Inglaterra e na Austrália). Todos os questionários passaram por teste piloto e em consequência pequenas alterações foram feitas.O questionário para os médicos focou nas atividades e tarefas executadas (como por exemplo, colaboração com outros profissionais, tarefas realizadas, processos na clinica ligados à qualidade da atenção, disponibilidade de prontuário eletrônico dos pacientes; e a acessibilidade da clínica em termos organizacionais (hora de abertura, tempo de espera). Um dos dois questionários para pacientes (aplicado a nove pacientes por clínica), focou na percepção do paciente em termos de qualidade e acessibilidade da atenção; e as barreiras e o custo da atenção. O segundo questionário para pacientes (respondido por 1 paciente por clínica), focou na valorização conferida pelo paciente à atenção primária. A lista de observações, feita pelo pesquisador para cada clínica visitada, inclui itens relativos à acessibilidade física do serviço e limpeza e à privacidade do paciente na consulta com o médico.
Para organizar a coleta de dados, em cada país participante foi indicado um coordenador nacional (por exemplo um centro acadêmico especializado em atenção primária, ou um conselho de profissionais de APS). O coordenador nacional estava encarregado de obter as aprovações necessárias para conduzir o estudo (Comitê de ética, comitê nacional médico), selecionar as clínicas APS, motivar os médicos a participar do estudo, organizar a coleta de dados e de enviar os questionários preenchidos de volta ao instituto NIVEL na Holanda, encarregado de realizar a leitura ótica dos questionários. As informações foram coletadas por um pesquisador ao visitar as clínicas, usando questionários em papel. Na Bélgica, algumas informações foram coletadas usando um tablet. A organização da seleção e a coleta de dados foi descrito em um protocolo detalhado, que os coordenadores nacionais tinham que seguir de modo a garantir a qualidade e representatividade dos dados coletados.

2. Quantos GPs e pacientes participaram da pesquisa?

No total, 6.830 GPs e 58.606 pacientes participaram da pesquisa QUALICOPC.

3. O projeto inclui 31 países europeus, sendo 26 membros da União Europeia e a Islândia, Macedônia, Noruega, Suíça e Turquia. Além desses, a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia também participam. Quais foram as maiores dificuldades em implementar a pesquisa em tantos países? Quantos pesquisadores fizeram parte?

O estudo foi coordenado e organizado por um consórcio de cinco grupos de pesquisa. Em cada um desses grupos um pesquisador sênior e pelo um aluno de doutorado estavam envolvidos. Em alguns grupos de pesquisa a Universidade aumentou o financiamento para ter mais alunos PhD envolvidos. Ao todo, seis alunos estão preparando um PhD baseado nas pesquisas da QUALICOPC. Em cada país um coordenador nacional foi designado. Este estava encarregado de coletar as informações. O time de coleta de informações variou bastante de país para país. Em alguns países a coleta era feita por poucas pessoas, e em outros, por grandes grupos de estudantes, voluntários ou pesquisadores pagos. Coordenadores nacionais tiveram livre acesso ao banco de dados de seus países.Em alguns países, o banco de dados foi analisado detalhadamente por grandes grupos de pesquisadores, em outros, apenas análises limitadas foram realizadas. A variação no processo de seleção de amostras e coleta de dados entre países foi minimizada ao usar um protocolo de pesquisa bem detalhado o qual os coordenadores nacionais deviam seguir estritamente.
Esse modo de trabalho com coordenador nacional e protocolo de pesquisa bem detalhado deu bons resultados, contudo, vieses poderiam ser esperados. Diversas estratégias foram utilizadas para minimizar e descrever esses vieses: uma análise específica dos dados foi feita para identificar possíveis vieses; representantes nacionais tiveram que descrever os processos de seleção das amostras e de coleta de dados de forma detalhada; em alguns países, entramos em contato com os médicos para saber se o pesquisador de campo de fato visitou a clínica.

4. Como os resultados foram analisados? Como é distribuído o trabalho de análise entre os pesquisadores?

Todos os questionários preenchidos foram enviados para NIVEL que fez a leitura ótica de todos eles, e construiu a base de dados. NIVEL também limpou a base de dados usando a entrada de dados dos outros quatro grupos de pesquisa. Cada um dos cinco sócios do consórcio tem uma expertise particular e analisaram os dados de acordo com sua especialidade: a Universidade de Ghent analisou a dimensão da equidade da APS na Europa, a Escola de Medicina de Sant’Anna analisou os custos, NIVEL analisou a qualidade, RIVM analisou as internações evitáveis. Os grupos de pesquisa estão sempre envolvidos, participam e discutem as análises e trabalho dos outros. Regularmente, reuniões de pesquisa são realizadas para discutir novas informações, novos desafios para análise dos dados, discutir novas questões de pesquisa.

5. Quais são as configurações da atenção primária associadas com melhores resultados na Europa?

PHAMEU e QUALICOPC claramente indicam uma relação entre a força da atenção primária e os resultados para a saúde. Ou seja, um sistema de atenção primária forte gera menos internações para asma, diabetes e doenças pulmonares obstrutivas crônicas, e reduz anos de vida perdidos por doenças isquêmicas do coração, asma, bronquite e enfisema. Os sistemas europeus com atenção primária forte nem sempre são os sistemas mais baratos. Contudo, provavelmente não é a força da APS que gera maiores custos no país, mas em países com sistemas fortes em atenção primária, os governos investem mais para melhorar a qualidade dos cuidados em geral (por exemplo, reduzir as listas de espera) o que pode aumentar os gastos como um todo. Em relação à equidade, apenas evidências limitadas indicam uma relação entre a força da APS e a equidade na saúde. Sistemas de APS fortes não são per se sistemas mais equitativos. Estudos mais avançados acerca das características relacionados a uma maior equidade revelaram que sistemas nos quais a APS coordena robustamente os cuidados apresentam associação significativa com equidade na atenção à saúde. Nos próximos meses, outras pesquisas irão identificar quais aspectos da APS contribuem mais para a equidade e se os processos de trabalho no nível das clínicas de APS podem evitar possíveis características negativas dos sistemas de saúde como um todo.

6. Em sua opinião, quais são os maiores desafios para a pesquisa comparada de sistemas de saúde?

Definitivamente um dos aspectos de força do estudo QUALICOPC foi o bom relacionamento profissional entre os membros do consórcio de pesquisa e a forte liderança do NIVEL. Descrições rígidas das atividades e metas temporais claras foram feitas. Reuniões de pesquisa regulares em que todos os sócios compareciam e onde o design do estudo e métodos foram discutidos, em muito contribuíram para a sensação de envolvimento de todos os sócios. Graças a esse sentimento de envolvimento e comprometimento os pontos positivos e expertise de cada sócio foram usadas de forma eficiente. Em conjunto com uma boa colaboração entre os sócios da pesquisa, um bom conhecimento da área onde o estudo acontece parece ser muito importante. É muito difícil conhecer bem todos os sistemas de atenção primária na Europa. O fato de que éramos um grande grupo com membros de cinco países diferentes fez com que o nosso conhecimento abarcasse toda a Europa. Trabalhar com coordenadores nacionais em cada um dos países participantes definitivamente também contribuiu muito. Isso tornou possível organizar a coleta de dados em cada um dos países europeus de forma otimizada e permitiu a interpretação dos resultados corretamente, considerando a situação de cada diferente país.

7. Você poderia indicar algumas publicações do estudo QUALICOPC para difundir entre os membros da nossa rede?

Mais informações do QUALICOPC, incluindo publicações, podem ser encontradas no nosso site: http://www.nivel.nl/Qualicopc  ou pelo site oficial da Comissão Europeia:

http://ec.europa.eu/research/health/public-health/health-systems/projects/qualicopc_en.html

Todas as nossas publicações sobre equidade (incluindo os PDFs dos trabalhos publicados) também podem ser encontrados através da lista de publicações de Sara Willems: http://lib.ugent.be/bibliografie/801001384026 ou simplesmente pelo Google “Sara Willems” e “Biblio”.

Apresentação de Sara no ABRASCÃO – SaraWillems