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Rede entrevista Armando Henrique Norman

É graduado em medicina pela Universidade Federal do Paraná (1995) com residência em Medicina Geral e Comunitária/Medicina de Família e Comunidade pela PUC-PR (2001) e mestrado em Antropologia Médica pela Universidade de Durham/Reino Unido (2011). Atualmente faz Doutorado (em andamento – 2012-2016) pela Durham University na área de Antropologia Médica.Atua, também, como coordenador editorial da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade da SBMFC  e tem experiência nas áreas de Medicina e Antropologia, com ênfase em Antropologia Médica, atuando principalmente nos seguintes temas: Pagamento por Performance  (P4P), Prevenção Quaternária (P4), Medicalização Social, Rastreamento, Medicina de Família e Comunidade (MFC), Atenção Primária à Saúde (APS), Medicina Preventiva e Medicinas Complementares (Homeopatia).

1) Como está sendo a realização de sua pesquisa em Antropologia na Universidade de Durham  e como são os incentivos para a pesquisa propostos pelo  Reino Unido?

 A experiência de fazer meu PhD na Inglaterra tem sido muito boa porque estou conseguindo realizar um projeto de pesquisa que tem permitido combinar minha experiência enquanto médico de família, no Brasil, com conceitos do campo das ciências sociais, especificamente da antropologia.  Dessa forma, tanto minha agenda pessoal, enquanto profissional da APS, como o papel de pesquisador em antropologia da saúde, foram integrados. Apesar de haver muita informação sobre o modelo inglês – que eu alimentava em meu imaginário – quando você vai para campo e contrapõe essas expectativas com a realidade dos serviços, um novo olhar ou novas perspectivas se abrem. Assim, posso dizer que tem sido muito enriquecedor poder acompanhar as consultas e serviços aqui no condado de Durham. Como recebo bolsa Capes isso me confere liberdade para direcionar mais livremente minha pesquisa, pois no Reino Unido os incentivos geralmente estão alinhavados a recursos financeiros específicos que os orientadores ou pesquisares conseguem captar, de modo que os estudantes de PhD se envolvem em alguns ramos (ou braços) do tema do pesquisador principal. Existem certamente muito recursos, bolsas e oportunidades para os estudantes ingleses e da união europeia para encontrarem alguma linha de pesquisa que atenda as suas necessidades enquanto pesquisadores.

2) Na visão de pesquisador, como se pode promover a pesquisa nos serviços da APS e quais são as condições necessárias para seu desenvolvimento?

 Difícil responder a essa pergunta, visto que estou fora da academia e tenho um olhar desde as perspectivas do serviço. Assim, meu viés é que a universidade está fora do serviço. A relação dos pesquisadores com os serviços da APS parte de uma perspectiva cuja vivência dos serviços, tanto profissionalmente como enquanto usuários do sistema é limitada. O SUS sempre foi um serviço assistencial para o outro (o pobre), não para mim, gestor, professor universitário ou mesmo pesquisador. O próprio ministério também reflete um pouco isso e assim as linhas de financiamento para pesquisas nem sempre dialogam com as realidades dos SUS.  Assim, temas importantes referentes ao modelo assistencial adotado na APS/ESF como acesso, coordenação do cuidado, a descentralização do sistema – com pouca responsabilidade dos gestores municipais pela não implantação das políticas públicas proposto ao ministério da saúde – não são pesquisados em maiores detalhes. Porém, vejo isso como processo e dentro de uma perspectiva nacional histórica da APS/ESF no país – que este ano completa 20 anos de trajetória – mas que está gradualmente retomando a centralidade da APS e vários municípios estão gradativamente liderando esse debate e envolvendo universidades e pesquisadores no sentido de discutir mais amplamente a APS no SUS e redirecionar suas linhas de pesquisas de modo que seus resultados possam retroalimentar o SUS.

3) Como podemos melhorar nossa produtividade científica para melhorias na atenção primária?

Primeiro, o órgãos fomentadores de pesquisa deveriam financiar projetos que fossem de interesse para o SUS/APS. Outro fator é que aquele que está fora da universidade, mas tem acúmulo profissional, na maioria das vezes não é envolvido nesses projetos de pesquisa. Assim, há necessidade de fomentar a criação de departamentos de Medicina de Família ou de APS que abriguem pesquisadores que sejam simultaneamente parte da academia e dos serviços do SUS. Penso que essa integração seja importante para se ter pesquisadores mais engajados com os cotidianos dos serviços e desse modo possam direcionar melhor os recursos em pesquisa para temas relevante à APS.

 

4) Sendo um pesquisador brasileiro e residindo atualmente na Inglaterra quais são hoje as principais dificuldades da Atenção Primária no Reino Unido, um dos países modelo em saúde pública para o Brasil?

A questão aqui na Inglaterra reflete principalmente o déficit financeiro que o governo está tendo que enfrentar devido aos custos crescentes de se financiar um sistema universal. Isso se deve a basicamente três fatores: altos custos dos insumos em saúde; expectativas cada vez mais altas por parte dos usuários do sistema que demandam por mais serviços; e o envelhecimento populacional que naturalmente gera pacientes com maiores necessidades em saúde. A preocupação é como continuar financiando o NHS de modo que este seja ‘economicamente viável’. Em relação ao modelo de APS eles estão para lançar um novo contrato com os GPs, que representam o carro-chefe dos serviços da APS, para resgatar os danos causados em parte pelo pagamento por desempenho que gerou distorções no sistema de saúde desresponsabilizando os GPs pelos cuidados continuados e personalizados e produzindo maiores demandas sobre os pronto-atendimentos e emergências dos hospitais. Existe uma crescente descentralização para a APS de serviços que tradicionalmente eram vistos como hospitalares. Isso também é uma tendência de fortalecimento de serviços comunitários de saúde.

5) Um dos últimos temas da revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, do qual é editor chefe, foi sobre o PCATool . Qual a importância de utilizar metodologias de avaliação dos serviços e sistemas de saúde?

É importante avaliar os serviços oferecidos à população para que se possa aprimorar e corrigir eventuais distorções que o sistema está causando. Se não se avalia o que se está fazendo e/ou como se está fazendo, quando surgem problemas não se tem a menor ideia de suas causas e/ou recursos podem ser gastos com soluções que não foram fundamentadas em uma avaliação criteriosa dos problemas que o serviço apresentava. O PCATool (Instrumento de avaliação da APS) é um instrumento testado internacionalmente e validado para o contexto do Brasil. Ele avalia os atributos essenciais e derivados da APS tais como, coordenação do cuidado, acesso de primeiro contato, longitudinalidade, etc.  Por vezes gestores desconhecem os fundamentos da APS e podem então utilizar instrumentos inadequados, que priorizam outros atributos, criando ou valorizando aspectos secundários e menos relevantes e relegando aspectos importantes a segundo plano. Recentemente um grupo de pesquisadores brasileiros da UFRGS desenvolveu uma versão reduzida do PCATool, de maior aplicabilidade para os gestores municipais, o que pode estimular estes mesmos gestores a priorizarem áreas que necessitem de investimento baseado nos resultados obtidos por esse instrumento.

 

6) Uma das maiores dificuldades para o fortalecimento da atenção primária no Brasil está na contratação de médicos. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio inovou em criar um programa de residência médica em MFC que formará um grande número de novos profissionais para atuar em seu sistema. Como foi a experiência em participar da criação do programa e é esse  o caminho para o preenchimento de vagas?

 Como relatei anteriormente, existem alguns municípios que optaram por investir na APS/ESF e o município do Rio de Janeiro é um exemplo de redirecionamento dos recursos existentes para o fortalecimento de uma APS de qualidade que pode servir como um exemplo nacional de como reestruturar a APS no Brasil. Penso que a inclusão de formação em Medicina de Família e Comunidade por meio da residência médica, tanto via própria secretaria municipal de saúde (SMS-RJ) como por meio de parcerias com universidades importantes como UERJ, UFRJ e ENSP é fundamental para a formação de recursos humanos para o município do Rio, que pretende, até 2016, contar com uma cobertura de 70% de APS. Não é possível pensar em aprimorar os serviços e expandir sem comprometer a qualidade da assistência se não existirem profissionais bem formados e capacitados para prestar uma assistência adequada à população. No Reino Unido é o próprio NHS que se encarrega do papel de formar seus profissionais de saúde. Aqui em Durham estou frequentando o programa de treinamento dos GPs que recebe suporte financeiro e estrutural do que eles chamavam de Deanery, atualmente Health Education (uma escola de saúde) que é muito semelhante com o que o Rio de Janeiro esta realizando. As OTICS como centros ou espaços para os encontros teóricos e de educação continuada cumprem um papel semelhante a esses espaços ofertados para a formação pelos serviços. Assim, o Rio de Janeiro está sintonizado com a responsabilização dos serviços em formar e qualificar seus profissionais. Ter participado do início da implantação do PRMFC foi uma experiência muito gratificante e enriquecedora, tanto pessoalmente como profissionalmente.

 

 

Rede APS

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