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Desafios para a valorização social e política da APS

Agradeço o convite e aproveito para parabenizar Claunara na condução firme da política de atenção primária em nosso país, ao longo destes últimos anos, mantendo o rumo na direção da implementação de um SUS universal de qualidade, e agradecer por todos os esforços do DAB em defesa de um modelo assistencial em base a uma APS robusta coordenadora da atenção. E, pelo apoio ao desenvolvimento de pesquisas em APS, que possibilitou a constituição de nossa REDE, e cujo site está cada vez mais interessante. As apresentações de James Macinko e Romero Rocha mostram, antes de tudo, a importância da pesquisa para a valorização social e política da Estratégia Saúde da Família ao demonstrar não apenas impactos positivos diretos da implementação do PSF na situação de saúde e no acesso a serviços de saúde, como também, impactos indiretos em outras dimensões das condições de vida da população coberta. Os estudos demonstram que o PSF é uma estratégia efetiva para promover a saúde, especialmente nas regiões mais desfavorecidas. De fato, temos hoje, realizadas por muitos pesquisadores, em parte aqui presentes, um conjunto de pesquisas cujos resultados demonstram de forma consistente a efetividade da estratégia saúde da família, o que certamente contribui para sua valorização política. Os estudos de Macinko e Romero produzem evidências claras de impactos da implementação da SF sobre indicadores de saúde. Mas me pergunto: os efeitos positivos não poderiam ser mais intensos? Não seriam pequenos frente ao potencial sugerido na literatura para uma APS robusta como pretende ser a estratégia saúde da família? Em parte, este gradiente pode decorrer de que se tratam de estudos ecológicos realizados com dados secundários que não permitem a comparação direta entre reais usuários e não usuários da SF, denotando a necessidade de outras pesquisas com distintos desenhos para avaliar estes efeitos de forma mais direta. Minha primeira questão para os apresentadores: há indícios de que os impactos são mais intensos?   Quais desenhos de pesquisa poderiam aferi-los melhor? Por outro lado, este gradiente decorre também das importantes dificuldades que vem sendo enfrentadas no processo de implementação que vão da adequada formação e gestão de recursos humanos, passam pela conformação de uma rede integral coordenada pela APS, e pela disponibilidade de recursos financeiros suficientes. Relacionados às quatro reformas em APS apontados por Hernán, gostaria de destacar temas de pesquisa e alguns destes desafios, para que possamos expandir uma APS robusta no país, que cumpra com os atributos de serviço de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação, orientação comunitária e familiar, com base em pesquisas por nós realizadas. Considero que a valorização da APS está condicionada por sua capacidade de dar resposta as necessidades e expectativas dos usuários-cidadãos – APS centrada nas pessoas –. E as expectativas dos usuários-cidadãos são de acesso oportuno a uma atenção resolutiva de qualidade. Ao mesmo tempo, os atributos da APS somente se efetivam se estiver garantido acesso oportuno à atenção de qualidade. A posição dos serviços da Estratégia Saúde da Família como porta de entrada preferencial vem sendo fortalecida em diversos municípios, contudo a integração à rede assistencial continua problemática, o que pode tornar a existência de porta preferencial uma barreira e não um facilitador do acesso. Inquérito realizado com usuários mostrou que os serviços de atenção primária têm se configurado como a principal fonte de cuidado regular em municípios selecionados com elevada cobertura por SF. Mais de 70% das famílias cadastradas nas quatro cidades (em Belo Horizonte 85%) dispõem de um serviço de procura regular. Dentre estas famílias, 75% em Belo Horizonte, 70% em Vitória, 70% em Aracaju indicaram como seu serviço de procura regular o centro de saúde da família. Nestas cidades, a SF estrutura o acesso à atenção especializada e o percurso mais comum de acesso às consultas especializadas é o agendamento realizado pela USF, seja no momento do encaminhamento, ou com data posteriormente informada ao usuário.  Um serviço de saúde se torna de primeiro contato, se garante acesso oportuno, Se a porta da USF é aberta, como ocorre nestas cidades, assegurando-se adequado equilíbrio entre respostas aos agravos agudos, crônicos e aos grupos prioritários: equilíbrio entre demandas espontânea e programada. O não atendimento da demanda espontânea nas USF impossibilita a constituição da SF como serviço de primeiro contato da sua própria população adscrita. Ademais, o atendimento somente da demanda programada leva à redução do volume de pacientes atendidos pela unidade, dificultando a busca ativa e o diagnóstico precoce. Deixa-se de aproveitar as oportunidades da atenção individual ao caso agudo para atuar nas prioridades coletivas. A garantia de atenção oportuna e resolutiva pelas USF desloca a demanda dos serviços de emergência hospitalar e de atenção especializada, e é fundamental para o fortalecimento da SF frente às disputas de modelo assistencial que se vislumbram com a ampliação das unidades de pronto atendimento. Urge a articulação com as UPAs para agilizar atendimentos de emergência encaminhados pela SF e para garantir o retorno dos usuários desde as UPAs até as suas equipes de Saúde da Família, tornando as UPAs serviço complementar de atendimento de urgências médicas que não podem ser resolvidas na USF, e, não um serviço de primeiro contato competitivo com a USF. Neste campo são necessárias pesquisas que investiguem estas interfaces entre serviços e analisem os requisitos para que a equipe de saúde da família possa exercer a coordenação dos cuidados e a APS ser efetivamente ordenadora da rede. Uma atenção oportuna e de qualidade fará com que as novas classes médias não sejam obrigadas a buscar alternativas em planos de saúde e valorizem o SUS. A valorização da APS passa também pela cobertura de diferentes estratos populacionais e não apenas das populações mais desfavorecidas. Esta é uma contribuição importante da SF para combatermos o apartheid na saúde e avançar no combate às desigualdades com uma mesma rede de serviços sendo compartilhada pela grande maioria da população. – aqui pesquisas se fazem indispensáveis para analisar a atuação da SF em áreas de classe média identificando usos, expectativas, rearranjos organizacionais necessários. A atenção deve ser não só oportuna, como também de qualidade. A avaliação de qualidade da atenção prestada pela SF é um campo importante para desenvolvimento de pesquisas que possam orientar estratégias de formação permanente, uma vez que nos serviços profissionais aspectos importantes da qualidade dependem da formação. Esta, e uma política de gestão de pessoas que garanta a adesão dos profissionais ao PSF e ao SUS são desafios cruciais. Sem estabilidade das equipes nenhum dos atributos da APS se efetiva, não há longitudinalidade, não há coordenação, não há enfoque familiar ou comunitário. A valorização social e política da APS é indissociável da valorização dos profissionais das ESFs. Neste campo do quarto conjunto de reformas da APS, urgem pesquisas que avaliem as diferentes modalidades de gestão de RH, de modelos de gestão de estabelecimentos de saúde, terceirizações, contratos de gestão etc mostrando quais de fato são mais eficientes e efetivos. Há um processo de privatização da gestão da APS alardeado como presumidamente mais eficiente que, contudo, não está devidamente avaliado. Estudos na Espanha e Reino Unido mostram que estas alternativas podem ser mais caras…Concernente ao terceiro bloco de reformas, outro grande desafio para a efetividade da APS é potencializar a ação comunitária das EqSFs de modo sustentado. Desafio em construir interfaces e a cooperação com outras políticas públicas desde o nível federal até o território local para incidir sobre determinantes sociais e promover a saúde. Este é outro tema de pesquisa que deve ser incentivado: SF e intersetorialidade. Um grande obstáculo para a valorização do SUS e da APS é o desfinanciamento crônico do SUS: os gastos públicos com saúde no Brasil são muito baixos, cerca de 3,6% do PIB, enquanto sistemas públicos universais de base fiscal despendem no mínimo 7% do PIB. Quer dizer, nossa riqueza nacional e nossa carga fiscal nos permitem no mínimo dobrar os gastos públicos com saúde no país. Mas gastar em que? Aplicar como estes recursos? Como aponta o relatório mundial da OMS sobre atenção primaria: atenção primaria não é barata, mas certamente é mais eficiente. Não há gastos mais efetivos do que em APS.A nossa presidente eleita disse em reunião da equipe de transição com especialistas em saúde, na semana passada, que está convencida que é necessário ampliar o financiamento do SUS. Mas que é imprescindível saber como aplicar os recursos adicionais de modo que de fato façam diferença na atenção as pessoas, e, avaliar o desempenho. Certamente que o melhor uso para novos recursos é a atenção primária e a construção de redes ordenadas pela atenção primária. Tenho afirmado que é necessário e podemos dobrar os gastos públicos em saúde no Brasil, e, agrego, este aumento de receitas deve ser prioritariamente aplicado na construção de redes integrais ordenadas pela APS. Enfatizo a importância de sempre tratar a SF, a APS, integrada no sistema, na rede de serviços, para que possamos enfrentar a seletividade de certas propostas de agências internacionais. Atualmente há dubiedade no que se entende por cobertura universal. Isto ficou muito claro, por exemplo, no Simpósio Global sobre Pesquisa em Sistemas de Saúde organizado pela OMS cujo tema era sistemas universais. Como concepção hegemônica no simpósio, a universalidade foi entendida como cobertura por seguros públicos ou privados e com diferentes cestas de serviços diferenciadas conforme capacidade de pagamento, diferenciada por estratos de renda, criando-se segmentos e cristalizando-se iniqüidades. Muito diferente da concepção que está no Informe mundial OMS APS p. 28 aqui apresentado, aonde se entende que alcançar a universalidade implica em avançar em três dimensões: na ampliação da população assegurada, na ampliação da cesta coberta, e, na ampliação da participação dos gastos públicos em saúde. No Brasil com o SUS alcançamos a primeira dimensão, 100% de cobertura populacional formal, na segunda dimensão temos uma cesta diversificada com lacunas, e aqui entra a criação de redes integradas ordenadas pela APS, e nos falta muito na terceira dimensão da universalidade: avançar nos gastos públicos que permitirão o acesso oportuno à atenção de qualidade. Sem esse avanço, o rumo estará direcionado a um universalismo básico, uma APS seletiva, serviço pobre para pobres. Aqui minha questão para o Hernan: como avalia no debate regional na AL esta tensão entre um universalismo básico, sempre latente, e a construção de sistemas públicos universais? Observa avanços em quais eixos da universalidade em outros países da AL? Por outro lado, reitero, o contexto atual é favorável à valorização da APS à medida que OPAS, OMS, reconhecem a APS como estratégia para o alcance dos objetivos do milênio e construção de sistemas universais de saúde. Como destaca o informe mundial APS da OMS, não se trata apenas de reconhecer que a APS é mais eficiente do que qualquer outra alternativa. O consenso sobre a necessidade de fortalecer a APS, seja em países centrais ou periféricos, decorre da constatação de que o modelo hegemônico de atenção à saúde – fragmentado, baseado na especialização da prática médica, desenvolvido para responder aos episódios agudos – não consegue enfrentar adequadamente os agravos crônicos. A APS, atualmente, é reconhecida como a resposta mais adequada aos atuais desafios de morbi-mortalidade. Neste campo abre-se outro conjunto de temas de pesquisa para examinar os efeitos da APS no acompanhamento de doenças crônicas.Como pesquisadores, contribuir para a valorização da APS implica em atuar em dois campos: técnico e político. Significa, claro, desenvolver pesquisas de qualidade nestas temáticas, mas implica também em articular um movimento pró APS, integral, abrangente, e integrar os fóruns em defesa de um SUS público universal com redes organizadas com base na APS que garantam atenção oportuna, resolutiva e de qualidade para toda a população.
Obrigada!
Ligia Giovanella

Rede APS

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