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Avaliação e conclusões do primeiro fórum da rede

Atenção Primária em Saúde e os Objetos Invisíveis

A construção de um modelo de referência necessariamente implica em produzir recortes da realidade e isto induz invisibilidades na medida em que coloca à margem, ou na sombra do núcleo, elementos da periferia. Este é o caso das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) na Atenção Primária em Saúde (APS) e o desafio de torná-las visíveis. Em outras palavras, o desafio é construir rotas inexistentes que façam o caminho de resgate da diferença transformada em anormalidade e, então, em práticas marginalizadas e criminalizadas.
Com essa perspectiva a Rede de Pesquisa em APS tem aberto espaço para que pesquisadores das PIC abram espaços de debate. Assim, inauguramos o Fórum da Rede em 2011, inclusive com a abertura de uma sala de reunião no dia do seu encerramento. Tivemos a oportunidade de apresentar um texto para disparar os debates no Fórum e colhemos no final do período mais de 50 reflexões sobre as PIC na APS no Sistema Único de Saúde.
Foi substancial a participação, ainda que tenham sido poucas as mensagens em comparação ao número total de participantes cadastrados na Rede. Além disso, houve uma dispersão temática importante e suficiente para delimitar uma agenda de prioridades de pesquisa para o curto e médio prazo. Alguns textos fizeram recuperações históricas e nessa direção é preciso dizer que o debate das PIC na APS está presente desde a Conferência Mundial de Alma-Ata, em 1978, que preconizou que “Saúde para Todos” seria alcançada com a incorporação de práticas da medicina popular ou tradicional nos sistemas nacionais de saúde. Todavia, o debate sobre as práticas não convencionais no campo da saúde é anterior e desde os anos de 1960 passou a ser associado à noção de alternativo, que foi criada em um contexto social de contra¬cultura, quando vários grupos buscaram construir uma sociedade alternativa, com comunidades baseadas em: economia alternativa; educação alternativa; formas de organização social e política alternativa; comporta¬mento alternativo; e medicina alternativa, por fim. Destaca-se, ainda, que aquele foi o período de Guerra Fria e polarização dos valores, crenças e práticas sociais entre blocos econômicos e políticos. Tra¬tou-se de uma polarização tão acentuada que construiu uma perspectiva mediada pela conjunção “ou… ou” e o verbo “ser”, de forma que um profissional apenas pode¬ria “ser isto ou aquilo”.
Posteriormente, o conceito de complementaridade desenvolvido na física foi adotado para explicar o desenvolvimento de práticas não convencionais no con¬texto social dos anos de 1980. Vivia-se o desmonte da polarização dos blocos políticos e econômi¬cos e construía-se uma perspectiva mais inclusiva mediada pelas conjunções “e… e” e o verbo “ter”, de forma que um profissional pôde, então, “ter esta competência e aquela”. No início da década de 2000, ganhou destaque o debate sobre a necessidade de se criar um ambiente inclusivo no campo da saúde, baseado no conceito de pluralismo terapêutico e orientado para responder à agenda construída pela Organização Mundial da Saúde sobre o ensino, pesquisa e atenção com práticas não ortodoxas. Com isso, aconteceram encontros entre grupos de profissionais norte-americanos e ingleses que resultaram na proposta da construção de um paradigma integrativo que per¬mita aos profissionais da saúde identificar a emergência gradual e simultânea de mudança das categorias e procedimen¬tos paradigmáticos do modelo alopático.
Porém, nessa “revolução científica”, a proposta não é substitutiva do novo paradigma pelo anterior, pois se pretende que o modelo integrativo valorize os avanços da medicina convencional e, ao mesmo tempo, reconheça a longa história de outras práticas de cuidado e cura. Esse é o grande desafio que vivemos na atualidade, e que se apresentou em grande parte das falas trazidas pelos participantes do Fórum: encontrar estratégias capazes de incluir a nossa racionalidade nos diversos segmentos que compõem a cultura em saúde – rede de assistência pública e privada, publicações, instituições de ensino, órgãos de gestão, políticas publicas de saúde, etc. Como disse um dos participantes, “vivemos outros tempos, não estamos mais escondidos, acuados”. Realmente, podemos nos apresentar e nos esforçar para tornar as PIC visíveis, não somos mais impedidos de atuar, contamos com uma política ministerial que nos legitima – mas isso não significa que temos apoio. A estratégia atual de resistência é o silencio, o não ver, o não agir. Algumas falas nesse Fórum se tornaram desabafos a esse respeito: “nem se fala nesse assunto, parece que não existe”; “ninguém fala do assunto”. Nesse contexto, algumas mensagens postadas no Fórum anunciam importantes ações, como:
– A inclusão de um módulo sobre as Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) na especialização de 1000 trabalhadores em Saúde da Família no Mato Grosso do Sul;
– Os vários projetos em andamento na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e seu Laboratório de estudos, pesquisas e intervenções em Integralidade;
-A perspectiva de habilitar médicos do Programa de Saúde da Família do interior de São Paulo em homeopatia. Porém, outras participações no Fórum explicitaram os desafios em relação às PIC, como:
– ampliar a capacitação de profissionais em PIC
– introduzir conteúdos sobre as PIC na graduação dos profissionais de saúde
-realizar estudos capazes de avaliar, de forma coerente com as  racionalidades médicas envolvidas, as diferentes práticas que compõem as PIC.

Estamos seguros que é nessa comunidade de pesquisadores da Rede de Pesquisa em Atenção Primária em Saúde que as informações sobre as PIC estão construindo sentido para a cultura do campo da saúde. Por isso, nosso propósito com este texto é agradecer a todos os participantes do Fórum e apresentar alguns elementos do processo histórico da introdução do debate e uso das práticas não-convencionais no campo da saúde. Tivemos como propósito, ainda, chamar atenção para o enorme desafio que se nos coloca em relação à PNPIC e para a necessidade premente de unirmos força para garantir a visibilidade das Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária em Saúde no Sistema Único de Saúde.   Assim, encerramos esse texto com o desejo de que o Fórum tenha trazido evidências sobre as potencialidades e alcances das Práticas Integrativas e Complementares para a saúde. Bem como, tenha despertado a curiosidade e dado inicio ao movimento em busca de informações e conhecimento, para o qual nos colocamos à disposição de todos para contribuir.

Sandra Abrahão Chaim Salles:  sandrachaim@terra.com.br
Nelson Filice Barros: filice@fcm.unicamp.br

Rede APS

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