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A pesquisa e os serviços de Atenção Primária -Informativo – 13/10/2010

Existe hoje o reconhecimento que as decisões (sejam clínicas, de gestão ou de definição de políticas de atenção à saúde) devam ser fundamentadas em evidencias. É corrente que as evidencias são essenciais para qualificar a atuação das equipes de saúde e a gestão dos serviços, e que provém tanto de conhecimentos tácitos, como de conhecimentos explícitos -em outras palavras, são derivadas tanto da experiência prática, como da pesquisa formal. E, embora as decisões tomadas com base em evidencias sejam geralmente referidas como conhecimento explícito, é justamente o saber tácito que as distingue e qualifica.

O conhecimento tácito é de caráter prático e subjetivo, implícito, advindo da experiência dos clínicos, dos gerentes, das equipes. Sustenta um ´como fazer´, freqüentemente só aplicável ao local, raramente publicado, tradicionalmente pouco valorizado. O conhecimento explícito é de caráter teórico e objetivo, acadêmico: resultado de estudos formais, é publicado em revistas científicas e afirma um ´o que fazer´ generalizável. Tradicionalmente muito valorizado.[1]

Serviços de saúde baseados em evidências são aqueles que têm, eles próprios, a capacidade de produzir evidencias (nos serviços de Atenção Primária há grande riqueza de conhecimentos advindos da prática e da ciência do contexto) e a flexibilidade de incorporar evidencias às suas práticas clínicas e gerenciais: seus profissionais, individualmente e em equipe, devem possuir a destreza de encontrar, avaliar e usar o conhecimento advindo de pesquisa formal. Para tanto, a produção de conhecimento e o seu uso devem ser institucionalmente valorizados, o que exige um contexto de aprendizagem, o apoio de sistemas que disponibilizam a melhor informação vigente, e uma cultura avaliativa. Ambos os conhecimentos, tácito e explícito, devem estar disponíveis quando necessário!

Os serviços de Atenção Primária (APS) não prescindem de estudos que respondam, a curto prazo, às perguntas de gerentes e equipes de saúde. Equipes comprometidas, sensíveis aos fenômenos relacionados à saúde da população local, buscam entender esses fatos de forma a melhor adaptar suas ações e corresponder com eficiência às necessidades em saúde. Assim, estudos operacionais são realizados por integrantes destas equipes, retroalimentando-as com agilidade na adequação das atividades clínicas, de planejamento e de avaliação dos serviços.

A seguir são apresentados alguns exemplos de estudos operacionais, onde se observa a vinculação de evidencias provenientes das diferentes fontes de conhecimento, e sua utilização no aperfeiçoamento das práticas.

(a) qualidade da atenção às crianças com asma[2] – O monitoramento das internações por asma em menores de 19 anos demonstrou que, apesar da disponibilidade de medicação e das atividades de atualização das equipes de saúde, o número de hospitalizações por essa condição sensível à APS seguia acima do esperado. Uma breve entrevista, sistematizada, em todos os casos de internações, por período determinado, demonstrou que hospitalizações poderiam ter sido evitadas se: corticóide inalatório houvesse sido prescrito, conforme o protocolo, em um maior número de situações; fosse seguida a recomendação de entregar um plano de ação escrito a todos pacientes; os pacientes e familiares fossem melhor orientados quanto à técnica inalatória e recorrido ao tratamento no início da crise; houvesse sucedido a desmistificação de crenças tais como spray faz mal ao coração. Estes resultados subsidiaram as atividades de educação continuada das equipes e resultaram em imediata mudança nas atitudes dos profissionais e redução do número de hospitalizações.

(b) diagnósticos de sífilis congênita[3]- a identificação de casos da doença levou à revisão da qualidade do atendimento pré-natal e da realização dos exames preconizados. O estudo demonstrou 94% de realização do VDRL e 94% de anti-HIV no primeiro trimestre da gestação; e 79% de realização de VDRL e 63% de anti-HIV no terceiro trimestre, evidenciando falhas no pré-natal. Os resultados foram prontamente discutidos com as equipes de saúde e os reflexos dessa intervenção estão sendo monitorados.

(c) problemas freqüentes em APS[4] – seis diagnósticos (hipertensão arterial, diabete mélito não insulino-dependente, infecção de vias aéreas superiores, asma, transtornos depressivos e dorsalgias) e quatro condições relacionadas à prevenção (pré-natal, prevenção do câncer ginecológico, revisão de saúde no adulto e puericultura) representaram, em 2009, um terço das 14.611 razões de consulta. Essa informação foi essencial para as atividades de atualização de equipes de saúde e estruturação dos serviços.

(d) desconhecimento do que é APS pelos gerentes/coordenadores da APS[5]. Ainda que o Brasil tenha optado por um sistema de saúde orientado pela APS, menos de um quarto dos gestores/gerentes da Atenção Primária identificam os quatro atributos próprios da atenção primária. Ora, os gestores/gerentes são os responsáveis por criar as condições de operacionalização da APS, o espaço para que as equipes de saúde concretizem a atenção primária com eficiência. Não obstante eles conheçam os valores e princípios do SUS e do Saúde da Família, desconhecem os elementos de sua operacionalização e avaliação. Esta avaliação gerou projetos de capacitação e atualização para gerentes/gestores da APS, entre eles o Projeto AGAP[6], que está em fase de avaliação dos resultados.

Silvia Takeda
Médica Epidemiologista
Equipe de Monitoramento e Avaliação
Serviço de Saúde Comunitária[7]
Grupo Hospitalar Conceição
Porto Alegre, RS.

[1] MUIR GRAY, J.A. Evidence-based Healthcare and Public Health: how to make decisions about health services and public health. Edinburgh:Churchill-Livingstone Elsevier, 2009. 3rd ed.
[2] LENZ, M.L. Hospitalizações por condições sensíveis à APS no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: mlenz@ghc.com.br
[3] LENZ, Maria Lúcia. Qualidade do pré-natal no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: mlenz@ghc.com.br
[4] FLORES, Rui. Monitoramento & avaliação no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: frui@ghc.com.br
[5] CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Aperfeiçoamento da gestão em Atenção Primária à Saúde. Brasília:CONASS, 2005. Contato: conass@conass.org.br
[6] CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA. UNIVERSIDADE DE TORONTO. Projeto de Intercâmbio de conhecimentos Brasil-Canadá: Projeto de Aperfeiçoamento em Gestão da Atenção. Contato: conass@conass.org.br
[7]O Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Conceição é um serviço de atenção primária, com 30 anos de existência. Conta com 12 Unidades de saúde responsáveis por uma população de 120 mil habitantes na cidade de Porto Alegre.

Rede APS

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