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Dr. Luis Fernando Rolim Sampaio

Luis Fernando Rolim Sampaio é medico, formado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em gestão hospitalar pela Escola Nacional de Saúde Pública do Rio de Janeiro e mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. No período de 2005 a 2008 foi coordenador do Departamento de Atenção Básica (DAB) do Ministério da Saúde (MS) e atualmente trabalha como consultor em atenção primária e serviços de saúde para diversas instituições internacionais – como a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), Banco Mundial e na Universidade de Toronto.

Como surgiu a ideia de criar uma rede de pesquisa em atenção primária à saúde (APS)?
A ideia da rede de pesquisa em APS surgiu do interesse comum de alguns atores individuais e institucionais, que trabalhando no cenário nacional e internacional para o fortalecimento da APS decidiram dar os primeiros passos nesse sentido.
A primeira proposta foi discutida em uma reunião, em Belo Horizonte, em 2007, organizada pela OPAS e pelo Ministério da Saúde do Brasil, e com a participação do Ministério da Saúde do Canadá, algumas instituições europeias e pesquisadores convidados. Frente ao diagnóstico apresentado pela professora Barbara Starfield da necessidade de ampliar a pesquisa em APS internacionalmente, trabalhou-se a ideia de construir a rede americana de excelência em APS, onde serviços e academia que já estivessem desenvolvendo atividades de prestação de serviços e pesquisa conjuntamente pudessem servir de exemplos para os países latino-americanos.
O Brasil, como um dos líderes do processo, com uma extensa rede de universidade e instituições de pesquisa, e com a experiência mundialmente reconhecida, decidiu mobilizar sua própria rede nacional de pesquisa em APS. Os pesquisadores brasileiros presentes acordaram com a direção do DAB que paralelamente a rede americana de pesquisa em APS mobilizará pesquisadores e construirá uma rede brasileira.

Qual foi o principal motivador da construção dessa “teia” de profissionais ou simpatizantes da causa?
Dentro do rol de estratégias prioritárias que traçamos para a direção do DAB quando estávamos à frente do departamento estava a valorização social e política da APS. Nesse sentido, precisávamos nos esforçar para ampliar nossos vínculos com centros de excelência em ensino e pesquisa reconhecidos no país. Nas discussões, nesse evento de Belo Horizonte, foi discutida a necessidade de fortalecer a APS por meio de produção de evidências de seu impacto, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Para isso, precisávamos de estudos e pesquisa de cunho nacional e internacional, metodologicamente bem embasadas e que pudessem apoiar a tomada de decisão, respondendo questões da gestão, seja no fortalecimento do caminho tomado, seja na correção dos rumos quando necessário. Então tivemos um bom casamento: de um lado o DAB empenhava-se na expansão da a discussão da APS e da saúde da família em espaços acadêmicos e de pesquisa como um dos caminhos para o reconhecimento e valorização da APS e da saúde da família nas universidades. De outro, pesquisadores e estudiosos interessavam-se em enfrentar o desafio.

Para você qual seria o principal objetivo e o grande desafio da rede?
Creio que o principal objetivo da rede sempre foi o de fortalecer a APS e a saúde da família no Brasil. Produzir evidências de alta qualidade técnica, discutir APS nos espaços acadêmicos, atrair novos pesquisadores, alunos e professores. Construir capacidade de pesquisa nesse campo é uma necessidade absoluta para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Sabemos hoje que se conseguirmos universalizar o acesso aos serviços de saúde no Brasil isso se deve, em grande parte, à saúde da família. Precisamos avançar na construção das redes e dos territórios integrados de atenção a saúde – TEIAS. Nesse sentido a rede poderá ajudar a catalisar o processo desenvolvendo novas abordagens teórico-metodológicas a partir das inovações em curso.
Os desafios da rede são vários, mas talvez um dos mais importantes, nesse momento, seja a sua sustentabilidade. Redes nascem e morrem com muita frequência nos setores sociais. Redes necessitam animadores. Talvez utilizar o conceito de comunidade de práticas seja prudente para avançarmos na consolidação desse movimento. A responsabilidade não pode ser somente da direção do DAB ou da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) de manter vivo o movimento. É claro que sem esse apoio as coisas ficariam muito mais difíceis. Entretanto, tanto a ABRASCO como o DAB/MS são instituições dirigidas por atores políticos. Dessa forma, o compromisso desse atores torna-se crucial para a sustentabilidade da rede. Também não podemos negar que no caso da pesquisa, os recursos alocados são um motivador essencial, sejam eles os pesquisadores líderes, sejam suas equipes, seus alunos de mestrado doutorado ou mesmo os alunos da graduação envolvidos. A possibilidade de apoio do DAB nesse sentido é essencial.

A rede já conta com mais de 900 cadastrados, superando as expectativas iniciais do comitê gestor. A que você atribui esse bom início de projeto?
Atribuo o sucesso à capilaridade que a APS tem hoje no Brasil e ao dinamismo e motivação dos profissionais envolvidos com a saúde da família no Brasil. São milhares deles, e toda vez que é feita uma chamada para discutir o tema, seja no campo acadêmico ou da gestão, a resposta é excelente. Um exemplo foi a última mostra nacional de saúde da família. Foram mais de sete mil participantes e milhares de trabalhos inscritos. Entretanto, mesmo com um grande potencial, esse movimento precisa de lideranças. Por isso, considero que o DAB e a ABRASCO são essenciais nesse processo.

Sendo um profissional que conhece muitos profissionais da área e participou de eventos pelo mundo, como definiria a posição da atenção primária hoje no Brasil e no mundo? Quais os principais pontos fortes e fracos?
No cenário internacional o Brasil tem se destacado sobremaneira pela experiência da saúde da família. Assim, temos sido uma referência mundial na discussão da APS, em especial para países de renda média. Tive a oportunidade, recentemente, de discutir a saúde da família com o governo de dois desses países: Índia e África do Sul. Todos reconhecem os avanços do Brasil e tentam entender como chegamos onde estamos. Creio que a rede também possa ajudar nessa análise histórica, no resgate dos passos que foram realmente chaves para os avanços que conquistamos. Discutindo APS e saúde da família trataremos o sistema de saúde brasileiro e reforçando o SUS. Alguns estudos já foram publicados sobre isso, mas precisamos aprofundar essa discussão pela relevância não só para o Brasil, mas para todo o mundo.
Entre os pontos fortes da APS no Brasil e da saúde da família no Brasil eu destacaria a sua abrangência e capilaridade, sua capacidade de mobilização e inovação, e o seu dinamismo e juventude. Além disso, destacaria que a APS como o contato preferencial do usuário com o sistema de saúde é um espaço privilegiado para a discussão e implementação de ações sobre os determinantes sociais da saúde, a promoção da saúde, a intersetorialidade. Veja as equipes de saúde da família trabalhando com os pontos de cultura, com a Saúde na Escola, com os Territórios de Cidadania, com o Bolsa Família. São iniciativas em todos os cantos do país.
Como pontos fracos eu citaria a pouca inserção na classe média e nos setores acadêmicos formadores de opinião e seu subfinanciamento que, ao longo do tempo, tem gerado uma perda importante de profissionais capacitados e um desestímulo da entrada de novos profissionais, em especial médicos.

Em ano eleitoral você vislumbra alguma preocupação para a política nacional de APS com os candidatos? Acredita que possa haver um reordenamento do sistema de saúde?
A transição política no Brasil sempre é motivo de temor. Infelizmente nossas instituições de saúde ainda não são suficientemente fortes para suportar as transições sem abalos importantes, especialmente quando se tornam transições de forte cunho político partidário. Ainda vemos projetos e políticas de saúde municipais, estaduais e mesmo federais serem paralisadas a cada transição de governo. Felizmente a saúde da família conquistou um espaço social e político importante, o que nos dá certo grau de tranquilidade nas esferas federal e estaduais.
Algumas discussões sempre são preocupantes, entre elas cito a questão do financiamento. Entendo que proteger recursos de áreas que não são hegemônicas é uma necessidade que demonstra prioridade política, mas nem todos compartilham desse entendimento. O que seria da vigilância se não tivesse recursos carimbados? E da saúde da família? Elas possivelmente não existiriam ou, no mínimo, seriam bem menos importantes que são hoje no SUS. Precisamos discutir e avaliar com tranquilidade, e sem pressa, os prós e contras desse tipo de mudança, em especial porque se existe um consenso de subfinanciamento da APS e da SF o que precisamos é de trazer recursos de outras áreas do sistema e não permitir que se gaste o que está “carimbado” fora do escopo da APS.

Para finalizar a entrevista gostaríamos que deixasse a todos os participantes da rede uma dica, ideia que seja o principal diferencial de quem “veste a camisa” da APS.
Acho que hoje no Brasil quem “veste a camisa” da APS seja quem esteja em busca mudanças, de um novo paradigma que questiona o limite da assistência biomédica e os próprios limites do sistema de saúde, sem negar a sua importância. A saúde da família tem sido um espaço de criação e inovação, pois os profissionais lidam com esse dilema cotidianamente e, a partir disso, criam soluções.
Temos que estar atentos, para manter esse espaço criativo vivo para não nos prendermos nas armadilhas dos círculos da resiliência. A realidade é muito dura e a possibilidade de ser criativo é um importante fator de motivação para esses profissionais. O momento agora é dos NASF. Novas categorias profissionais chegando, novas interações, novos desenhos. Enquanto mantivermos nossa capacidade de inovar conseguiremos avançar. Se estagnarmos, ainda sem hegemonia, rapidamente seremos engolidos pelo velho sistema.

Rede APS

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